A aproximação da perspectiva social nos estudos de serviços ecossistêmicos por meio do
conceito de Contribuição da Natureza para as Pessoas traz novos horizontes para a
compreensão da relação entre natureza e as pessoas, valorizando as visões de mundo e os
conhecimentos locais e indígenas.
O termo “serviços da natureza” apareceu pela primeira vez na literatura acadêmica em um
artigo publicado na Science intitulado “How Much Are Nature’s Services Worth?” (“Quanto vale os serviços da natureza?”), de Walter E. Westman, em 1977. Outras publicações em meados da década de 1980 também exploraram a ideia que estava se construindo entre os cientistas de que os sistemas naturais oferecem benefícios que sustentam o bem-estar humano.
Mas foi o pesquisador holandês, Rudolf de Groot (Universidade de Wageningen, Holanda) – ou
simplesmente Dolf como é mais conhecido – que uniu conceitos da economia e da ecologia em um
artigo1 célebre em 1987. Naquele momento ele argumentou que as funções ambientais seriam
tão importantes para o bem-estar humano quanto os bens e serviços produzidos pelo homem
e, portanto, deveriam ser computados nas contabilizações econômicas. Logo, deveríamos unir
esforços para compreender os benefícios ecológicos e socioeconômicos das funções
ambientais para a sociedade humana. Somente quando os princípios ecológicos se tornassem
parte integrante do planejamento econômico e da tomada de decisão política é que
poderíamos ter uma sociedade baseada na harmonia entre o homem e a natureza.
Dez anos depois, o pesquisador australiano Robert Costanza e colaboradores,
inspirados no estudo de Dolf, deram um passo importante para avançar os estudos e
discussões acerca dos valores da natureza. Os autores fizeram um cálculo monetário inédito
sobre as contribuições dos serviços ecossistêmicos para o bem-estar humano2. Na ocasião o
valor estimado para toda a biosfera foi em média US $ 33 trilhões por ano. Desde então, estes
valores são recalculados regularmente. O último estudo estimou em US $125 trilhões/ano e incluiu o cálculo de perdas pelas mudanças no uso da terra no valor de US$ 4.3 trilhões/ano.
Millenium Ecosystem Assessment, um amplo diagnóstico conduzido pela ONU em meados dos anos 2000, definiu serviços ecossistêmicos como os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Esta definição tem sido adotada amplamente e pode ser abrangida em quatro esferas: provisionamento, como alimentos, combustível e fibras; regulação, conforto climático e controle de doenças; suporte, que
considera a formação de solo e habitats, ciclo dos nutrientes, produção de oxigênio; e, finalmente, serviços culturais, tais como benefícios não-materiais espirituais ou estéticos.
Mudanças nesses os serviços afetam o bem-estar humano de muitas maneiras. Há pouco mais de 10 anos, um grupo de renomados cientistas no campo de estudo de serviços ecossistêmicos se reunia para fundar a ESP – Ecosystem Services Partnership, uma iniciativa cujo objetivo é fortalecer redes de cientistas, formuladores de políticas e experts em serviços ecossistêmicos para equalizar os estudos na área. Atualmente, esta rede de prestígio é ponto de referência obrigatório para especialistas no tema, conectando 3000 membros em todo o mundo, que trabalham em conjunto em mais de 40 grupos de trabalho e um número crescente de redes nacionais em todos os continentes.
Recentemente, um grupo de especialistas da IPBES (INtergovernamental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), órgão ligado a ONU para confeccionar diagnóstico
sobre o estado global da biodiversidade e serviços ecossistêmicos, deu ênfase a este importante
componente nos estudos da relação entre bem-estar humano e natureza, a perspectiva social.
O resultado é o conceito de Contribuições da Natureza para as Pessoas (Nature Contribution
to People, NCP, em inglês), publicado nas revistas científicas Science
e Current Opinion in Environmental Sustainability.
NCP são todas as contribuições, tanto positivas como negativas, da natureza (diversidade
de organismos, ecossistemas e seus processos ecológicos e evolutivos associados) à qualidade
de vida das pessoas. As contribuições benéficas incluem, por exemplo, provisão de alimentos,
purificação de água e inspiração artística, enquanto contribuições prejudiciais incluem
transmissão de doenças e predação que prejudicam as pessoas ou seus bens. Muitos NCP
podem ser percebidos como benefícios ou prejuízos dependendo do contexto cultural,
socioeconômico, temporal ou espacial. Por exemplo, alguns carnívoros são reconhecidos como
benéficos para o controle de roedores selvagens por um povo, mas também podem ser
prejudiciais quando atacam a criações de uma fazenda do mesmo povo.
“Os aspectos biológicos e econômicos dos serviços ecossistêmicos estão relativamente bem
fundamentados, entretanto, carecemos de entender o componente social, ou seja, a ligação direta
dos serviços ecossistêmicos especificamente com bem-estar humano, governança e política”,
explica Maíra Padgurschi, pesquisadora da BPBES (Unicamp) que participou do último
encontro da rede ESP. Neste sentido, NCP procura avançar incluindo a perspectiva social na
relação natureza-pessoas preocupando-se em colocar em pauta os contextos sociais de cada
povo, dando espaço para abranger os conhecimentos locais e indígenas.
“A ampla missão da IPBES exige o envolvimento de uma ampla gama de partes interessadas,
abrangendo desde ciências naturais, sociais, humanas e engenharia até povos indígenas e
comunidades locais, cujos territórios representam parte da biodiversidade mundial. Como um
órgão intergovernamental, tal inclusão é essencial não só para o avanço do conhecimento,
mas também para a legitimidade política dos achados do diagnóstico”, concluem Sandra Díaz,
Unai Pascual e colaboradores da IPBES.
1 Rudolf S. de Groot. Environmental functions as a unifying concept for ecology and economics. Environmentalist 7, 105–109 (1987).
2 Robert Costanza, Ralph d’Arge, Rudolf de Groot, Stephen Farber, Monica Grasso, Bruce Hannon, Karin Limburg, Shahid Naeem, Robert V. O’Neill, Jose Paruelo, Robert G. Raskin, Paul Sutton & Marjan van den Belt. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature 387, 253–260 (1997).