Pense em um equilibrado e saudável café da manhã, ou seja, além dos tradicionais pães, manteiga, queijo, leite, esta refeição também esteja colorida com frutas, tais como maçã, pera, geleia de fruta, suco de laranja e maracujá, mel, e claro, com o clássico cafezinho. Muitas frutas, vegetais, sementes, nozes e oleaginosas, que fornecem grandes proporções de micronutrientes, vitaminas e minerais na dieta humana. Toda essa diversidade de cores e nutrientes dependeu em algum momento da ação de polinizadores. Estes animais, que prestam serviços imprescindíveis para a agricultura e a conservação da biodiversidade, têm preocupado cientistas e ambientalistas por conta do declínio de suas populações e os potenciais impactos desta perda.
As culturas agrícolas dependem de forma variável de polinizadores. Estima-se que o volume de produção de culturas agrícolas que dependem desta interação inseto-planta aumentou em 300% nas últimas cinco décadas. Atualmente, mais de três quartos dos principais tipos de culturas alimentares globais dependem em certa medida da polinização animal para garantir volume e qualidade da produção. Calcula-se que entre 5% e 8% da produção agrícola global esteja diretamente ligada à polinização animal, o que corresponde a um mercado que varia entre US$ 235 bilhões e US$ 577 bilhões. No Brasil, a riqueza gerada com auxílio dos polinizadores foi avaliada em torno de US$ 12 bilhões.
Além dos polinizadores serem uma fonte de múltiplos benefícios para as pessoas – com destaque na provisão de alimentos – estas espécies igualmente contribuem para indústria de medicamentos, biocombustíveis (por exemplo, canola, óleo de palma), fibras (por exemplo, algodão, linho) materiais de construção (madeira), instrumentos musicais, artes e ofícios, recreativos atividades e como fontes de inspiração para a arte, música, literatura, religião, tradições, tecnologia e educação.
Todas essas benesses da polinização são consideradas serviços ecossistêmicos, ou seja, benefícios diretos ou indiretos advindos da natureza para o homem.
As abelhas são em disparado o grupo mais representativo de todos os sistemas de polinização dada a sua especificidade e íntima dependência das flores. “Estes insetos se destacam, pois são diretamente dependentes de recursos florais em todas as suas instâncias, tanto para a obtenção de recursos energético quanto proteico. Além disso, as abelhas podem ir às flores para fazer coleta de óleo que posteriormente será utilizado para a construção da colmeia. Há ainda espécies de abelhas que usam as fragrâncias das flores como feromônio,” explica Kayna Agostini, professora da Universidade Federal de São Carlos e uma das coordenadoras da REBIPP – Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador. Diferente dos besouros que podem obter seu recurso proteico de outras fontes.
Declínio de Polinizadores
As principais causas para a redução de polinizadores observada são duas: redução de cobertura vegetal e uso excessivo de pesticidas agrícolas.
A grande maioria das espécies de polinizadores são selvagens, incluindo mais de 20.000 espécies de abelhas, e algumas espécies de moscas, borboletas, mariposas, vespas, besouros, pássaros e morcegos, e outros vertebrados. Estima-se que quase a totalidade das espécies vegetais com flores e pelo menos um terço das plantas agrícolas mundiais dependam de alguma forma da polinização por animais, sendo, naturalmente, necessária para a preservação de remanescentes de vegetação natural e para a reprodução e alimentação desses vetores.
De acordo com a Lista Vermelha da IUCN, 16,5% dos polinizadores vertebrados estão ameaçadas de extinção global (aumentando para 30% espécies insulares). Não há avaliações globais Lista Vermelha especificamente para insetos polinizadores. No entanto, as avaliações regionais e nacionais indicam altos níveis de ameaça para algumas abelhas e borboletas.
A quantidade de agrotóxicos usada mundialmente também assusta. Em decorrência de uma combinação da toxicidade e do nível de exposição, os pesticidas têm uma ampla gama de efeitos letais e sub-letais em polinizadores, segundo estudos realizados em condições experimentais controladas e tratados no Relatório produzido pela Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Recente estudo publicado na Science analisou mel proveniente de todo mundo e encontrou resíduos de pesticidas em 75% das amostras. Embora a concentração para o consumo humano esteja abaixo aos limites impostos pela União Europeia, é possível que os níveis detectados possam estar afetando as abelhas. Por esta razão países como a França proibiram o uso de neonicotinoides e em outros só é permitidos e para determinados cultivos, como soja, milho e canola.
O Relatório da IPBES apresenta como diretrizes para a conservação dos polinizadores a redução do uso de pesticidas; a adoção de formas alternativas de controle de pragas, e o desenvolvimento de novas tecnologias. Ao lado disso, essas ações devem incluir a promoção do Manejo Integrado de Pragas que incorpore a capacitação de agricultores, a promoção de agricultura orgânica e políticas para reduzir o uso geral destas substâncias.
Avanços para a proteção dos Polinizadores no Brasil
“É um caminho que está sendo muito árduo”, definiu Kayna Agostini quando questionada sobre os avanços de políticas públicas para a proteção de polinizadores. Ao final de 2016, um grande grupo de especialistas redigiu a chamada “Carta Catalão”. O documento alerta o Governo Federal para as ameaças atuais às interações entre polinizadores e plantas e os custos econômicos e sociais da perda da sustentabilidade destes serviços para o país. Além disso, clama pelo desenvolvimento de uma Política Nacional para uso e conservação de polinizadores e do serviço de polinização com o objetivo de gerar conhecimentos e desenvolver estratégias para conservação e manejo sustentado da polinização e dos polinizadores.
Se por um lado a criação de uma Política Nacional para proteger os polinizadores de todos os grupos esteja andando em marcha lenta, iniciativas isoladas são sopros de esperanças. Em fevereiro deste ano, o IBAMA, em parceria com pesquisadores e entidades representativas do setor agrícolas deram importantes passos na regulamentação do uso de agrotóxicos que afetam polinizadores, mais especificamente abelhas. A Instrução Normativa IBAMA (IN 02/2017) estabelece diretrizes, requisitos e procedimentos para a avaliação dos riscos de ingredientes ativos de agrotóxicos para insetos polinizadores. A norma, destinada a produtos ainda não registrados no país ou em reavaliação, é a primeira a estipular critérios de decisão com base no risco, ou seja, na probabilidade de uma espécie ser afetada pela exposição a agrotóxicos. O objetivo é oferecer mais proteção a abelhas e outros polinizadores.
“O resultado desta IN é muito equilibrado e transparente”, avalia Roberta Nocelli, professora da UFSCar e uma das colaboradoras da elaboração deste instrumento de política. Segundo a pesquisadora, deixou-se a abordagem de análise de periculosidade e avançou-se em direção à avaliação de riscos que é mais completa, pois avalia todas rotas de exposição de onde a substância será aplicada, o quanto que a abelha entrará em contato.
Esta IN é a primeira de uma séria que o IBAMA pretende publicar. Os efeitos de agrotóxicos em peixes já está sendo elaborada.