Que as mudanças climáticas afetam diretamente a diversidade e distribuição de animais e plantas já é sabido. Entretanto, o contrário, ou seja, a capacidade da fauna e flora atenuarem os efeitos das mudanças climáticas ainda não pode ser confirmado. A principal dificuldade de avançar nessa afirmação decorre de uma questão de escalas. Os estudos de biodiversidade se preocupam em analisar elementos em escalas locais, tais como número de espécies, restrição ou alteração de um recurso, presença de um predador, para citar alguns. Já os estudos de clima, analisam variáveis em escalas quase continentais, envolvendo massas de ar, pressão atmosférica, correntes marítimas, etc. Isto provoca uma dificuldade de diálogo entre os estudos.
Apesar da discrepância de escalas, um ponto já se pode afirmar: a biodiversidade amortece os distúrbios das mudanças climáticas em escala local conferindo maior capacidade de absorção das alterações. Com isso há a proteção dos ecossistemas e dos efeitos positivos decorrentes da sua conservação, como os chamados serviços ecossistêmicos – a manutenção dos recursos hídricos (proteção de nascentes e matas ciliares), controle de erosão, refúgio de polinizadores e controle de pragas, dentre alguns.
As conclusões estão no estudo publicado em março de 2018 na revista britânica Bioscience que buscou entender se a presença de mais espécies é uma vantagem para a adaptação perante as mudanças climáticas. Por exemplo, se devido a uma pressão sobre este ambiente, as chances destas espécies se dispersarem pelo ambiente pode garantir a sobrevivência de pelo menos algumas delas. Seria como ter mais apostas na corrida da evolução. Pois bem, segundo os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de British Columbia (Canadá), quando se trata especificamente de mudanças climáticas, a quantidade de espécies não é o principal fator para atenuar os efeitos do clima.
A pesquisa analisou se a biodiversidade seria capaz de amenizar os efeitos de estressores climáticos, como temperatura e precipitação, e não climáticos, como aumento no aporte de nutrientes, um aumento de salidade, a presença de um predador, a restrição de um recurso, entre outros. “O estressor é um impacto de longo prazo que altera o ecossistema em doses homeopáticas. Por exemplo, a temperatura da Terra, que vai aumentar ao longo do século, e não abruptamente em cinco anos.” explana Vinicius Farjalla, da UFRJ, autor do artigo e colaborador da BPBES. “A grande conclusão deste trabalho é que a biodiversidade é capaz de minimizar os impactos de distúrbios nos ecossistemas, mas que em relação às mudanças climáticas este efeito é menos pronunciado”, explica Aliny Pires, da UFRJ, autora principal do estudo e também colaboradora da BPBES.
Os autores analisaram 91 artigos e 342 medidas de relações entre diversidade-estabilidade para conduzir uma metaanálise, ou “análise das análises”. Segundo Pires, muito das diferenças encontradas está na escala de manipulação destes trabalhos que tendem a ser extremamente localizados, usando um conjunto de espécies bem local, próprio da região, enquanto o clima muda numa escala espacial muito maior. “A biodiversidade deve ser importante na escala maior, mas precisamos aumentar a escala espacial em que a biodiversidade é manipulada em estudos experimentais, pois aí conseguiremos agregar as diferença entre as espécies, e viabilizar mecanismos que explicam o papel da biodiversidade no papel de funcionamento dos ecossistemas”, salienta Pires.
Entender as relações recíprocas entre biodiversidade e mudanças climáticas auxilia tanto o manejo local da biodiversidade em vista às pressões já conhecidas das mudanças climáticas quanto para estabelecer políticas, que via de regra, são implementadas em escalas temporal e espacial maiores. A mensagem do trabalho destaca a importância de se entender como estes elementos estão relacionados. De acordo com Pires, “Ao que tudo indica, a conservação da biodiversidade em larga escala pode reduzir os impactos das mudanças climáticas, mas faltam estudos na escala em que o clima atua para identificar potenciais efeitos da biodiversidade para o clima e acabamos subestimando seu papel”.
Mudanças Climáticas afetam a Biodiversidade e isto é certo
Segundo o Diagnóstico Regional das Américas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da IPBES (Intergovernamental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), se o cenário não se alterar, em 2050, as mudanças climáticas se tornarão o principal vetor de pressão impactando negativamente a biodiversidade nas Américas. E então, somadas a outros vetores, a redução média das populações de espécies por hectare poderá atingir 40% até a metade do século XXI.
As mudanças climáticas estão causando a redistribuição geográfica de espécies vegetais e animais globalmente. Essas mudanças distributivas estão levando a novos ecossistemas e comunidades ecológicas, mudanças que afetarão também a sociedade humana.
Embora os limites de alcance geográfico das espécies sejam dinâmicos e flutuem ao longo do tempo, as mudanças climáticas impulsionam a redistribuição universal da vida na Terra. Para as espécies marinhas, de água doce e terrestre, a primeira resposta às mudanças de clima é muitas vezes uma deslocar-se, para permanecer em condições ambientais preferenciais. No ambiente terrestre, as espécies estão se movendo para latitudes mais frias e altitudes mais elevadas. No oceano, as espécies estão se movendo para águas mais frias em maiores profundidades. Como diferentes espécies respondem em taxas diferentes e em graus variados, as principais interações entre espécies são muitas vezes interrompidas e novas interações se desenvolvem. Essas novas condições podem resultar em novas comunidades bióticas e mudanças rápidas no funcionamento do ecossistema.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, os impactos projetados em decorrência das mudanças climáticas incluem: deslocamento de espécies (algumas poderão migrar através de paisagens fragmentadas, enquanto outras serão incapazes de fazê-lo); extinção de espécies mais vulneráveis, com distribuições geográficas pontuais; reconstrução de ecossistemas, com novas faunas e floras, com a predominância de espécies que melhor se adaptam a diferentes locais, com as ervas daninhas.
Um estudo realizado por Foden e colaboradores em 2013 avaliou a resposta de 16.857 espécies de pássaros, anfíbios e corais, sendo considerado o estudo mais amplo da área. Além de medir a exposição das espécies às mudanças climáticas, a pesquisa incluiu as diferenças biológicas entre as espécies, o que pode aumentar significativamente ou reduzir sua vulnerabilidade perante as alterações climáticas de longo prazo. Foram consideradas três dimensões sensibilidade, exposição e capacidade de adaptação. Os resultados identificaram as espécies com maior vulnerabilidade relativa às mudanças climáticas e em que áreas geográficas estão concentradas. O estudo constatou que 608-851 aves (6-9%), 670-933 anfíbios (11-15%) e 47-73 espécies de corais (6-9%) são altamente vulneráveis às mudanças climáticas e já estão classificadas como “ameaçadas de extinção” na Lista Vermelha da IUCN. A redução das emissões de gases de efeito estufa seria a única saída para reduzir as extinções impulsionadas pelas mudanças climáticas.
Outro aspecto importante a ser considerado na relação entre mudanças climáticas e redistribuição de espécies refere-se às doenças parasitárias transmitidas por vetores. A saúde humana também está susceptível a ser afetada por mudanças na distribuição e na virulência de patógenos transmitidos pelos animais, o que representam 70% das infecções emergentes, de acordo com estudo publicado na Science em março de 2017. O deslocamento de mosquitos em resposta ao aquecimento global é uma ameaça para a saúde em muitos países. A malária, por exemplo, doença transmitida por mosquitos, tem sido um risco para quase metade da população mundial, com mais de 210 milhões de casos registrados em 2015 e 429 000 mortes, de acordo com WHO. Com o aquecimento global, espera-se que a malária atinja novas áreas com a migração em direção aos pólo e aumento da população de mosquitos Anopheles. A transmissão de malária relacionada ao clima pode resultar em epidemias devido à falta de imunidade entre os residentes locais e desafiará os sistemas de saúde em escalas nacionais e internacionais.
Para mitigar os efeitos sobre a biodiversidade em longo prazo, propõe-se aumentar a conectividade entre florestas, integrar mudanças climáticas em exercícios de planejamento, mitigar outras ameaças à biodiversidade (fragmentação, espécies invasoras, poluição), translocar espécies; aumentar a rede de reservas (tamanho e número) e manejar os entornos de áreas naturais.
Para saber mais:
Aliny P. F. Pires, Diane S. Srivastava e Vinicius F. Farjalla. “Is Biodiversity Able to Buffer Ecosystems from Climate Change? What We Know and What We Don’t“. BioScience, Volume 68, Issue 4, 1 Abril 2018, Pág 273–280.