Se mantivermos o mesmo ritmo de emissão de gases de efeito estufa até 2070, é quase certo que a temperatura do planeta aumentará de 3 a 4 °C, podendo se agravar até o fim do século para o Brasil. As consequências para o país serão alteração no regime de chuvas, que afetarão diretamente os biomas, ocorrendo, por exemplo, a savanização (transformação em deserto) da Amazônia. Ecossistemas como os campos de altitude, ecossistemas aquáticos, áreas costeiras e áreas urbanas são particularmente sensíveis às mudanças climáticas. O alerta foi publicado no relatório temático “Potência Ambiental da Biodiversidade – um caminho inovador para o Brasil”, no dia 18/12/18, no Rio de Janeiro.
“As alterações decorrentes do aumento da temperatura global poderão ocasionar danos irreversíveis às espécies e aos ecossistemas reduzindo, portanto, a capacidade da natureza fornecer bens e serviços a sistemas humanos e comprometendo o bem-estar da população brasileira nas próximas décadas”, afirma Andrea Santos (COPPE/UFRJ), uma das coordenadoras do estudo.
As espécies endêmicas, aquelas que só ocorrem em um único local no planeta, já sentem os impactos e consequências da mudança do clima. Na Amazônia, 85% das espécies estão sujeitas à vulnerabilidade do clima da região.
De acordo com Rafael Loyola, professo da UFG e um dos autores colaboradores do estudo, a maioria dos estudos está baseada em espécies e não em ecossistemas. “Por esta perspectiva, em todos os cenários, o padrão para as espécies é negativo, principalmente para as espécies ameaçadas, ou seja, se reproduzem menos e as populações ficam menores. A exceção é para as espécies invasoras” O crescimento das plantas também será alterado, logo, o funcionamento dos ecossistemas, cadeias alimentares, disponibilidade de oxigênio, produção de alimentos e energia também será alterado.
Contradições
O Relatório posiciona o Brasil como um grande potencial para liderar uma mudança na relação entre biodiversidade – clima – desenvolvimento. Todavia, o país ainda carrega muitas contradições.
“Por um lado, o país conta com expressiva extensão de áreas protegidas, bom arcabouço de políticas e planos para conservação e adaptação às mudanças climáticas, e relativo sucesso na redução das taxas de desmatamento na Amazônia no passado recente. Por outro lado, o país possui números preocupantes em relação às mudanças climáticas, incluindo valores novamente crescentes de desmatamento na Amazônia e taxas muito altas de desmatamento no Cerrado, cada um com seus respectivos impactos sobre a sustentabilidade nesses biomas“, diz o relatório.
Os autores atribuem parte destas dissonâncias ao desencontro entre políticas ambientais e de desenvolvimento econômico. Há muitas caixinhas que não favorecem o diálogo. Por exemplo, fala-se em política de biodiversidade ou de clima e política agrícolas ou de energia em outra caixinha. O documento indica a “misturas de políticas’ ambientais com as de desenvolvimento como uma saída necessária.
Neste sentido, o relatório temático destaca a relevância da expansão da rede de unidades de conservação como ação eficiente para amenizar os efeitos das mudanças climáticas.
A redução do desmatamento e promoção da restauração florestal são a outra face da mesma moeda. A floresta em pé no caso do Brasil é ainda a melhor saída para controlar os efeitos das mudanças climáticas. Essas ações se apoiam em compromissos internacionais firmados pelo Brasil como o Acordo de Paris (UNFCCC), as Metas de Aichi (CBD), os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e estão bem ancorados nacionalmente em políticas e leis como a Lei de Proteção à Vegetação Nativa, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Plano Nacional de Adaptação à Mudança
do Clima, e o Plano Nacional de Restauração da Vegetação Nativa.
É preciso inovar
Um olhar inovador sobre o papel da biodiversidade é uma grande oportunidade de torná-la um fator disruptivo para um modelo econômico brasileiro mais sustentável.
“Nunca nenhum país tropical se desenvolveu, pelo menos na história recente. Porque nenhum destes países olhou para sua verdadeira potencialidade: a biodiversidade”, argumenta Carlos Nobre (USP e PBMC) e um dos coordenadores do estudo. Além de que uma economia baseada na floresta em pé também contribui para o controle das emissões de gases de efeito estufa.
“A agricultura e floresta com efeitos positivos é o principal vetor para esta transformação” aposta Suzana Kahn, pesquisadora da COPEE/UFRJ, PBMC e também coordenadora do relatório. “Não estamos em um momento de confronto, mas de convencimento. Precisamos mostrar que preservar é um bom negócio para o país. É inegável que o mundo caminha para a valorização de produtos que vêm da floresta” completa Kahn.
Para André Ferreti, da Fundação Grupo Boticário, é necessário demonstrar ao mundo como se faz desenvolvimento com conservação. “Precisamos chegar nos setor da indústria. Incentivar os nossos impactos na conservação da natureza. Gerar negócios que além de lucro e emprego, gerem fatos positivos na natureza. Existem muitas oportunidades para isso no país”.
Na visão de Susana Kahn, não respeitar a questão ambiental pode representar uma barreira enorme para o comércio internacional. “Perceber a riqueza que temos é um caminho de fato inovador e para isso, nossas políticas terão que ser inovadoras” aponta Kahn.
Quando questionada sobre a visão do governo atual sobre meio ambiente, Kahn é clara: “Para manter nossa soberania, temos que ter nosso próprio desenvolvimento, temos que usar da maneira mais inteligente possível. Não vejo contradição em fortalecer um modelo próprio de desenvolvimento.”
Por fim, o relatório alerta os nefastos efeitos de não agir neste momento, o que trará um custo muito maior no futuro próximo.
O relatório temático de Clima “Potência Ambiental da Biodiversidade: um caminho inovador para o Brasil” foi lançado em 18 de dezembro no Rio de Janeiro. Trata-se de uma iniciativa conjunta do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. O documento já havia sido lançado em âmbito global na COP do Clima na Polônia em 07/12/18.
O relatório temático de Clima analisa a literatura científica disponível das mais renomadas organizações que produzem sínteses de conhecimento no campo da biodiversidade, serviços ecossistêmicos e mudanças climáticas (IPCC, IPBES, PBMC eBPBES), buscando uma perspectiva sobre os impactos à biodiversidade e aos ecossistemas brasileiros e a decorrente vulnerabilidade sócio-ecológica. Além disso, a partir da revisão de estratégias e ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas com base em ecossistemas, este relatório discute de forma propositiva trajetórias inovadoras de desenvolvimento sustentável para o país.
Para saber mais:
PBMC/BPBES, 2018: Potência Ambiental da Biodiversidade: um caminho inovador para o Brasil. Relatório Especial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Sumário para Tomadores de Decisão. 1ª edição [Scarano, F.R., Santos, A.S. (Eds.)]. PBMC, COPPE – UFRJ. Rio de Janeiro, Brasil. 14p. ISBN: 978-85-285-037-7.